À medida que a doença progride, as pessoas que vivem com demência correm o risco de se perderem e desaparecerem nas suas comunidades. Esta situação pode acontecer estando a pessoa a viver na sua própria casa, a residir num lar ou encontrando-se num serviço de saúde, no contexto de uma urgência, internamento ou consulta externa. Estes incidentes são frequentes e podem constituir uma ameaça à sua segurança.
A maior parte dos incidentes ocorre a pé, durante o dia e a maioria das pessoas são encontradas rapidamente pelo cuidador ou por alguém da vizinhança. Contudo, cerca de um quarto exige uma busca formal, com o envolvimento das forças de segurança.
Em casos extremos, a consequência do incidente pode até resultar na perda da própria vida.
É por isso fundamental implementar medidas e estratégias para a redução efetiva deste risco, sem desconsiderar os direitos das pessoas e as questões éticas e legais decorrentes desta implementação.
As estratégias com recurso a tecnologia mitigam riscos, permitindo que a pessoa que vive com demência tenha um maior grau de autonomia. Podem prolongar o tempo vivido na comunidade, enquanto proporcionam tranquilidade aos cuidadores. Contudo, é preciso ter em conta que os aparelhos eletrónicos (videovigilância, georeferenciação, etc.) podem estar associados à violação dos direitos fundamentais de privacidade e liberdade das pessoas.
Se procura estar mais informado sobre como melhorar a prevenção e resposta ao desaparecimento de Pessoas que vivem com Demência, continue a ler este artigo.
Porque é que as Pessoas que vivem com Demência podem perder-se e desaparecer?
A demência acarreta habitualmente dificuldades de memória, de orientação no tempo e no espaço, de linguagem e outras alterações da cognição que podem afetar a capacidade de a pessoa conseguir fazer um determinado percurso e regressar com êxito a um lugar seguro.
Por outro lado, as alterações do comportamento, tais como agitação, irritabilidade, agressividade e hiperatividade podem suscitar o desaparecimento da pessoa que vive com demência, assim como modificações do contexto ambiental, como por exemplo, mudanças na rotina, de casa, etc.
O modo de ser e a história de vida também desempenham um papel importante. Ao longo da vida, a pessoa ganhou hábitos decorrentes do exercício da sua profissão, da realização dos seus passatempos ou da assunção de responsabilidades familiares e pretende continuar a fazer o que fazia (ir buscar o filho à escola ao final do dia, ir para o escritório onde trabalhou, fazer uma caminhada para descontrair ou ir ao café ter com os amigos, etc.)
É importante compreender que os comportamentos da pessoa que vive com demência que podem suscitar o desaparecimento expressam necessidades não atendidas ou satisfeitas, ainda que nós possamos ter dificuldade em decifrá-las, tais como, o desejo de se envolver em atividades do passado, a falta de exercício e atividades significativas, procurar alguém ou um lugar seguro, ter fome, sentir dor e/ou desconforto físico, precisar de se afastar de demasiados estímulos externos (ruído, luz, etc.).
Padrões comportamentais habituais das Pessoas que vivem com Demência numa situação de desaparecimento
Ainda que o ponto de partida seja sempre a informação detalhada sobre a pessoa e que o seu comportamento possa não ser previsível, existem alguns padrões comportamentais genéricos que têm sido identificados e que devem ser considerados para a encontrar.
1. A pessoa pode dirigir-se em direção a locais previamente conhecidos.
2. Habitualmente, desloca-se a pé e percorre curtas distâncias.
(pode não ser o caso para quem tem o hábito de fazer caminhadas)
3. A pessoa é encontrada, com frequência, na sua zona residencial, na rua e no exterior de espaços públicos (não no interior).
4. Tende a não responder a quem a procura (falta de compreensão ou medo).
5. Caminha em linha reta e descendente até encontrar uma barreira física
(exemplos: vedação; arbusto denso).
6. É frequente isolar-se em áreas naturais locais (exemplos: bosques; campos; valas).
7. Desloca-se perto de caminhos e/ou estradas.
8. Tende a deslocar-se junto de cursos de água (menor resistência do terreno).
9. Pode deixar poucas pistas físicas.
10. Nos lares, a maior incidência de episódios acontece entre as 17h e 19h (efeito sundowning).
O que podemos fazer em termos de prevenção e resposta?
1. Procurar informação
Sobre os sintomas e evolução da doença, assim como estratégias para prestar o melhor acompanhamento e cuidados.
2. Conversar com a pessoa que vive com demência
Na altura em que é diagnosticada, importa conhecer a sua perspetiva sobre a possibilidade de utilização de um dispositivo de geolocalização. É que, numa fase mais adiantada do curso da sua doença, a colocação de um dispositivo desta natureza sem o seu consentimento, apesar de ter em vista a sua segurança, interfere com o exercício dos seus direitos, em especial, à privacidade e liberdade.
3. Elaborar antecipadamente um Perfil individual da Pessoa que vive com Demência
Este documento deve conter informações detalhadas e estar acessível para, numa situação de desaparecimento, ser entregue às autoridades para iniciarem as buscas com a máxima urgência e todos os dados necessários. Pode aceder ao formulário que a Alzheimer Portugal disponibiliza para o efeito, clicando aqui https://alzheimerportugal.org/wp-content/uploads/2024/02/Perfil-individual-V2fev.pdf
4. Garantir que a pessoa tem sempre um documento de identificação (ou cópia) e informações para contacto
5. Etiquetar a roupa
Esta estratégia facilita a identificação da pessoa dado que ao ser encontrada, pode não ter documentação consigo
6. Requerer a pulseira “Estou aqui Adultos” da PSP
Este recurso é gratuito para pessoas que, em função da idade ou patologia, possam ficar desorientadas ou inconscientes na via pública e visa garantir a segurança. Para mais informações, clique aqui
7. Avaliar a autonomia e independência da pessoa à medida que a demência progride
8. Aumentar o envolvimento da família no acompanhamento da pessoa de acordo com a evolução da doença
Proporcionar-lhe uma rede de apoio informal e formal em casa e nos locais que frequenta na comunidade. Acompanhar a pessoa nas suas deslocações, em especial, aos serviços de saúde.
9. Reportar às forças de segurança pública (PSP ou GNR) o desaparecimento após 10/20 minutos sem encontrar a pessoa
Sabe-se que o tempo é um fator crítico para o sucesso das buscas.
Este artigo é da autoria da Alzheimer Portugal, que se dedica há 37 anos a promover a qualidade de vida das Pessoas que vivem com Demência e dos seus familiares e Cuidadores.
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