No contexto institucional, os profissionais testemunham aspectos da vida dos residentes que as famílias raramente vêem ou preferem não abordar. Entre essas dimensões, a sexualidade é uma das mais desafiantes. Para muitos profissionais, lidar com comportamentos de natureza sexual é uma experiência emocionalmente exigente e potencialmente geradora de stress, sobretudo quando não se dispõe de orientação, formação ou suporte adequado.

Reconhecer a expressão sexual como uma forma de comunicar necessidades vitais e humanas, e responder com empatia às mesmas, transforma não só o comportamento da pessoa de quem cuidamos, como transforma a própria cultura de prestação de cuidados nas instituições. Isto exige, frequentemente, enfrentar o desconforto — o nosso e o dos outros — perante a expressão da sexualidade dos adultos mais velhos, bem como repensar crenças e tabus ainda presentes nos contextos em que trabalhamos.

Compreender e apoiar a sexualidade na Demência é uma ferramenta essencial que permite reduzir o stress e a sobrecarga dos profissionais, melhorar a qualidade de vida dos residentes nas instituições e promover ambientes nos quais a dignidade e o respeito são plenamente afirmados.

Repensar os Comportamentos Sexuais "Inapropriados"

É frequente encontrarmos na literatura a menção à “hipersexualidade” e aos "comportamentos sexuais inapropriados" das Pessoas com Demência. Contudo, estas manifestações reflectem muito mais necessidades mal compreendidas, do que reais condutas desviantes. Reflectem, frequentemente, a forma como nós, enquanto observadores desses comportamentos, os interpretamos e julgamos.

Desta forma, é essencial que antes de rotular um comportamento como inapropriado, nos questionemos: inapropriado para quem, quando e em que contexto?

Terminologias como "comportamentos sexuais desafiantes" podem resultar mais úteis e não estigmatizantes.

Intervir com base na Abordagem Centrada na Pessoa

O objectivo na nossa intervenção profissional não é eliminar a sexualidade da Pessoa com Demência, mas antes aceitá-la, compreendê-la e, quando necessário, redireccioná-la, ou criar condições apropriadas para que a mesma seja expressa com dignidade.

Recordando Tom Kitwood, o “pai” da Abordagem Centrada na Pessoa com Demência, mesmo quando as funções cognitivas se modificam, a humanidade da pessoa permanece e deve ser protegida através de relações e ambientes que a afirmem.

A Abordagem Centrada na Pessoa convida-nos a mudar de paradigma, a abandonar a pergunta “Como é que eu paro este comportamento?” e a adoptar uma posição de curiosidade, abertura e responsividade: “O que está esta pessoa a tentar comunicar? Que necessidade está a ser expressa e como é que eu posso responder mais adequadamente?”.

Quais são as aplicações práticas da Abordagem Centrada na Pessoa neste âmbito?

Intervir de acordo com este modelo, ajuda os profissionais:

· A reconhecer a dignidade e os direitos das Pessoas com Demência - a expressão sexual é um direito humano. Negá-la é uma violação de um direitos básico intrínseco a ser humano.

· A individualizar os cuidados prestados - conhecer a biografia da pessoa, os seus valores, a sua história relacional e os seus padrões de expressão sexual pode ajudar os profissionais a compreenderem melhor o comportamento actual e a planear respostas mais adequadas.

· A compreender o significado por trás de cada comportamento - os comportamentos desafiantes devem ser vistos como tentativas de comunicar necessidades que não estão satisfeitas. Antes de reagir, cabe ao profissional investigar possíveis causas, como por exemplo, desconforto, tédio, solidão, ou sobre-estimulação. Pode ser importante considerar, igualmente, factores neurológicos, porém o que está a acontecer no cérebro de uma Pessoa com Demência é apenas uma parte do puzzle. Os comportamentos desafiantes podem traduzir, também, experiências emocionais de perda, luto e  isolamento social. Estratégias não farmacológicas, como proporcionar à pessoa experiências sensoriais agradáveis, que vão ao encontro das suas necessidades de proximidade e conforto (por exemplo, uma massagem nas mãos, dar a escutar música serena, convidar a participar em actividades tácteis), podem ajudar a reduzir a frequência de comportamentos sexuais desafiantes e a promover o bem-estar de todos.

Enquanto cuidadores na linha da frente, os profissionais que trabalham em contexto institucional têm um enorme poder para modificar a cultura das suas organizações. Isto pode incluir:

· Não ignorar momentos em que colegas fazem comentários julgadores ou depreciativos sobre a sexualidade dos residentes;

· Solicitar formação sobre sexualidade na demência;

· Defender mudanças na instituição que protejam o direito dos residentes expressarem esta dimensão tão vital e humana;

· Apoiar as famílias que estão a lidar com comportamentos sexuais desafiantes;

· Normalizar conversas sobre expressão sexual no planeamento dos cuidados prestados.

É importante recordar que a sexualidade das Pessoas com Demência continua a existir, mesmo quando escolhemos ignorá-la ou marginalizá-la. Reconhecê-la é cuidar com mais respeito, mais dignidade e mais preparação. E dessa forma, poderemos elevar a qualidade dos cuidados prestados às Pessoas com Demência.

Lia Silva, Psicóloga Clínica

Este artigo é da autoria da Alzheimer Portugal, que se dedica há 37 anos a promover a qualidade de vida das Pessoas com Demência e dos seus familiares e Cuidadores.

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Villar, F., Celdrán, M., Fabà, J., Serrat, R. & Martínez, T (2017). Sexualidade en entornos residenciales de personas mayores – Guía de actuación para professionales (Nº 3). Guías de la Fundación Pilares para la autonomía personal

O que falámos neste artigo:
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Bem-estar
Demência