Sabia que a arte e a cultura podem ter um papel importante na vida das pessoas que vivem com demência como na dos seus cuidadores?

Viver com demência traz desafios — tanto para quem recebe o diagnóstico como para quem acompanha ou cuida. Mas nada disso apaga a pessoa: a sua história, os seus gostos, as suas emoções, a sua forma única de estar no mundo continuam presentes. Reconhecer estes direitos — à expressão, à identidade, à participação e à não discriminação — é tão vital quanto promover o bem-estar emocional e cognitivo. E é precisamente aí que a arte e a cultura se tornam fundamentais — não apenas como passatempo, mas como experiências que preservam dignidade, sentido de vida e cidadania.

Arte e Cultura: expressão, encontro, pertença e direitos

A arte tem um poder único: cria espaço para a expressão mesmo quando faltam palavras. Uma pintura pode ser observada e apreciada, uma escultura pode ser sentida ao toque, uma música pode simplesmente ser ouvida. Sabemos, pelos estudos e — mais importante ainda — pela prática, que a criação e a fruição artística estimulam áreas do cérebro ligadas à emoção, à criatividade e à relação, mesmo em fases mais avançadas da demência.

Mais do que “estimular a memória”, a arte e a cultura oferecem um espaço de expressão pessoal e de encontro humano, onde a pessoa volta a sentir-se vista, escutada e valorizada — reforçando o seu direito à identidade e à participação na vida cultural.

Estas experiências reconhecem a pessoa para além da doença, mudando o foco das perdas para aquilo que ainda se pode sentir, escolher e criar. São momentos de bem-estar e descoberta partilhada, que muitas vezes se prolongam para além das visitas a museus ou eventos culturais.

Por isso, diversos museus e espaços culturais têm vindo a desenvolver propostas que privilegiam a vivência artística — não com ênfase em “aprender sobre arte”, mas em vivê-la de forma significativa, acessível e como expressão de direitos culturais.

Para Quem Cuida: uma Pausa e um Reencontro

Cuidar pode ser exigente — física e emocionalmente. Mas a arte favorece momentos de pausa e de descanso face à rotina e aos desafios do quotidiano. Partilhar uma visita a um museu ou criar em conjunto possibilita uma nova forma de estar em relação — onde os papéis se equilibram, abrindo espaço para a presença, para a leveza e para a conexão profunda.

A simplicidade das Experiências Artísticas

Não é necessário ser artista, nem ter “jeito”. O mais importante é criar o contexto onde a expressão seja possível e valorizada. Aqui ficam algumas propostas que podem ter impacto:

• Observar uma pintura e conversar sobre as cores, formas ou sensações;

• Explorar texturas — tocar e comparar materiais distintos como tecidos, cerâmica, madeira ou papel, abrindo espaço para sensações táteis e narrativas pessoais;

• Criar desenhos ou pinturas abstratas que traduzam emoções ou estados de espírito, sem preocupação com o “resultado”;

• Participar em sessões de improvisação sonora, utilizando objetos do quotidiano para criar melodias únicas;

• Explorar o movimento consciente ou dança livre, como meio de expressão e comunicação não-verbal;

• Escrever pequenos textos ou poemas, mesmo que fragmentados, como forma de manifestação criativa e afetiva;

• Visitar um espaço cultural com tempo e atenção.

Estas práticas não são apenas estratégias de estimulação — são afirmação de agência e participação plena na vida, respeitando a singularidade de cada pessoa.

Projetos que fazem a diferença em Portugal

Em Portugal, estão a surgir cada vez mais iniciativas que colocam as pessoas que vivem com demência no centro da experiência artística, incluindo a abordagem aos seus direitos. Museus e espaços culturais desenvolvem programas em parceria com cuidadores, profissionais de saúde e associações como a Alzheimer Portugal, criando ambientes acolhedores e centrados na pessoa. As atividades incluem visitas mediadas, oficinas criativas, sessões multissensoriais e de movimento — focadas na vivência e não na performance.

Mais do que projetos pontuais, estas ações mostram que é possível — e urgente — interligar cultura e saúde, construindo uma sociedade mais sensível, inclusiva e que respeita os direitos de todos.

Demência e Qualidade de Vida: O Papel Transformador da Arte e da Cultura

A arte não cura. Mas pode ser um aliado poderoso no bem-estar, na dignidade e na qualidade de vida das pessoas que vivem com demência e dos seus cuidadores. A cultura pode ser um instrumento de afirmação de direitos humanos — devolvendo à pessoa o direito de sentir, de estar e de participar. E pode transformar a experiência do cuidado numa relação mais leve, mais rica e mais verdadeira.

Viver com demência é viver de outra forma — mas continua a ser viver. E a cultura pode tornar essa vida mais plena, significativa e autêntica.

Para mais informações, consulte o site da Alzheimer Portugal.

Referências

Alzheimer Europe. (2017). Legal rights and protection of people with dementia. Alzheimer Europe.

Camic, P. M., & Chatterjee, H. J. (2013). Museums and art galleries as partners for public health interventions. Perspectives in Public Health, 133(1), 66–71. https://doi.org/10.1177/1757913912468523

Diaz-Gil, A., Brooke, J., Kozlowska, O., Jackson, D., Appleton, J., & Pendlebury, S. (2023). A human rights-based framework for qualitative dementia research. Nursing Ethics, 30(5), 1023–1040. https://doi.org/10.1177/09697330231161687

Livingston, G., Sommerlad, A., Orgeta, V., Costafreda, S. G., Huntley, J., Ames, D., ... Mukadam, N. (2020). Dementia prevention, intervention, and care. The Lancet, 396(10248), 413–446. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30367-6

MoMA. (2025). Meet Me at MoMA. The Museum of Modern Art. https://www.moma.org/meetme

Zeilig, H., Killick, J., & Fox, C. (2014). The participative arts for people living with a dementia: A critical review. International Journal of Ageing and Later Life, 9(1), 7–34.

Este artigo é da autoria da Alzheimer Portugal, que se dedica há 37 anos a promover a qualidade de vida das Pessoas com Demência e dos seus familiares e Cuidadores.

O que falámos neste artigo:
Alzheimer
Alzheimer Portugal
Demência